sexta-feira, 26 de março de 2021

A felicidade é uma arte?



 Estou lendo um livro, incrível, "The Art Of Happiness", de Howard C.Cutler, um psiquiatra, palestrante, e escritor, no qual relata suas entrevistas, e vivência com o Dalai Lama.  O resultado é um misto das declarações, pensamentos, ensinamentos de Dalai Lama, e das considerações e conclusões de Cutler. 
Nem é preciso mais qualificações, certo? 

                                     

É a felicidade uma arte? Exige talentos específicos?

 Nunca havia pensado sob este ângulo, mas faz todo sentido. A felicidade é  difícil, trabalhosa, considerando  que estamos todos, sempre, em sua busca,  e  demanda foco, atenção, sendo, quase sempre,  breve, fugaz, enganosa. Quanto mais a buscamos nas coisas efêmeras,  quanto mais expectativas, criamos, mais desapontados ficamos.  Todos queremos ser felizes, sendo o que, também  mais desejamos para nossos seres amados, felicidade.

Há uma infinidade de autores, inclusive Cecília Meireles, com obras sobre a arte da felicidade; livros de auto-ajuda, com mensagens de alto astral, cursos de ‘mindfulness’, nos ensinando a focar no positivo, e  fazer, como Polyanna, no "Jogo do Contente". Me fascinava na pré-adolescência, a ideia que a felicidade é um exercício diário de olhar o que nos acontece por diferentes perspectivas, de ver outros ângulos e tirar o que há de positivo, no que estamos vivendo. Entretanto, lidamos muito mal com a vida, e com os problemas. Estamos, sempre, em busca do que nos falta. O copo nunca está cheio. 

 Há uma receita para sermos mais felizes? No que consiste esta arte?  Pelo que já li, tem tudo a ver com a nossa  forma de ser, de encarar a vida, os problemas, as inúmeras dificuldades, que encontramos  no caminho.
Para o budismo, sofrer é inerente à vida, e as dificuldades, são as lições a serem aprendidas. Há que olhar o que nos acontece, sob diferentes perspectivas. Buscar o positivo. Tirar uma lição.  Uma validação  do jogo do contente, que me ajudou em algumas fases.

Segundo Dalai Lama a arte de ser feliz requer educação, aprendizado constante, determinação, esforço, persistência e entusiasmo. Exige muito, pois para sermos felizes temos que aprender a lidar com e superar o sofrimento, visto, pelo budismo, como essencial para nos humanizar, e  ajudar a desenvolver a compaixão.

Na prática do  budismo, o sofrimento aumenta nossa capacidade de ter compaixão, e empatia, nos  ensinando a nos colocar no lugar do outro. 
Há um  exercício  de meditação "Tong-Len" para atingir este objetivo.  Através deste exercício de visualização, procuramos  colocar, em nossa mente, os entes sofredores (sujeitos), e os problemas que estão vivendo, à esquerda de nosso campo de visão. Estão  subjugados por sua dor; a nossa direita, o julgador, auto-centrado, seguro, indiferente; no meio, o observador,  distanciado, imparcial, tentando se colocar no lugar das pessoas sofredoras, que estão enfrentando as dificuldades. 
 É fácil tentar se colocar no lugar dos que estão  curvados pela dor, sentir o que estão experimentando, vivendo? Não, é  árduo. Tentamos fazer este exercício em nossa vida?  Será  que agiríamos de forma semelhante? Nossa visão/  julgamento muda ou é  afetado quando fazemos o exercício de nos colocar no lugar do outro?
Temos empatia, flexibilidade, compaixão, tolerância, aceitação do outro, com seus problemas e dificuldades, ou esperamos que tudo e todos ajam conforme nossas expectativas, que são, por vezes, equivocadas, e irrealistas? 
Somente quando sentimos as condições do outro, entrando em seu lugar, experimentando o que estão sentindo, vivendo, é possível  compreender, perdoar, se humanizar, e entender que o  sofrimento é uma parte natural, integrante da vida, e quando a dor nos atinge, não estamos sendo injustiçados.  A vida está nos dando uma oportunidade para mudar, ser melhor. Há que olhar por diferentes perspectivas,  entender diferentes visões, e tirar lições das experiências vividas. 

 A prática budista tem 3 premissas: a primeira premissa é que há desejos positivos e negativos, sendo que os positivos são relacionados às nossas necessidades básicas,  justificáveis,  têm uma base sólida;  os negativos, supérfluos, não  têm base, são injustificáveis(ganância, desejo excessivo, baseados na necessidade de ter mais, insatisfações).

 A 2.ª premissa parte do pressuposto que ao cultivarmos emoções positivas,  vamos gradualmente, eliminando as emoções negativas. Nossos estados mentais agem como antídoto às tendências negativas.  Ao  desenvolver  amor, compaixão, ou gratidão, vamos  eliminando os sentimentos negativos e tendo uma sensação prazerosa de libertação.

A 3.ª premissa considera que a natureza essencial da mente é pura, e fica toldada pelas emoções negativas. Portanto, conforme o budismo, as aflições, emocionais e mentais, podem ser eliminadas através do cultivo de forças antidotas, como o amor, a compaixão, tolerância e esquecimento, e através de práticas como a meditação focada. Seu método para atingir a felicidade é baseado na ideia revolucionária que nossos estados mentais não são intrínsecos, mas sim obstáculos que podem ser superados.

Esta importância do pensamento positivo tem acolhida na Psicologia Cognitiva de Albert Ellis e Aaron Beck, que consideram  que nossos problemas  têm origem em  ideias preconcebidas, pensamentos distorcidos, e crenças limitantes, e que a cura ocorre com a identificação dos mesmos, e sua substituição por pensamentos positivos, de desenvolvimento de nossa auto-estima e consequente empoderamento.
 Esta corrente tem acolhida nas recentes pesquisas científicas, que demonstram o poder dos pensamentos positivos em mudar a estrutura e função do cérebro.
As piores emoções  negativas são  a raiva e o ódio.  Estas são  tão  destrutivas, que acarretam problemas físicos (cardíacos, digestivos, etc). Para combater  estas reações  impetuosas de fúria e ressentimentos  é  necessário desenvolver  paciência e tolerância.  Há  que identificar e tentar neutralizar estes sentimentos, através de seus opostos: amor, compaixão, tolerância e paciência. Vai  demandar muita dedicação e esforço  diário. No livro há  recomendação de meditações, que podem ajudar a evitar que tenhamos explosões temperamentais, no futuro.

Não queremos, com isto, dizer que  ao superar as emoções negativas só teremos sentimentos positivos e uniformes. Nada permanece igual. Nós vamos mudando a cada momento, e nossas emoções vão se alterando. Sabemos que tudo é impermanente, que a mudança é um fato do qual não há como fugir. Nada permanece igual. Nem  um momento é semelhante ao outro.  Todavia, ingenuamente, esperamos que as sensações, os afetos  não se modifiquem, com o passar do tempo, e nos incomodamos com isto. Nós mudamos,  externa e internamente; os lugares se modificam, e os sentimentos, também vão se alterando.
Já viajastes a algum lugar onde já estiveste há alguns anos?  É incrível que nosso olhar é sempre distinto. Ou não apreciamos o suficiente, da primeira vez, ou na 2.ª achamos tudo mais feio e desinteressante. A impressão nunca é a mesma. Como vamos querer que sentimentos permaneçam inalterados? 
 Não quer dizer que deixamos de amar, mas vamos amar de forma distinta, madura, enxergando o outro na sua humanidade, imperfeita, como a nossa. Quando nos aceitam, e aceitamos o outro, integralmente, somos autênticos, e felizes.

Dor e sofrimento   em contraponto com a  alegria, prazer, felicidade.  Polos opostos. Um não existe sem o outro. Um, valida o outro. Não  posso ser feliz se não  souber o que é  a dor, o sofrimento. Entretanto, os sentimentos cultivados,  serão os preponderantes em  nossa vida, e há que lutar contra os que nos colocam para baixo, que nublam nossa capacidade de entendimento e aceitação.

 Ser feliz é uma arte que demanda  a busca do positivo, do belo, das bençãos, e requer observação, cuidado, delicadeza, dedicação, muito esforço, e gratidão. Uma luta diária que só os  que se dedicam, totalmente, conseguem colher os frutos.


CidaGuimarães 

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