Como é difícil largar o que nos é familiar. Aquilo que se encaixa nos nossos dias como uma peça antiga, já gasta, mas perfeitamente moldada ao nosso jeito de ser. O hábito, esse escultor silencioso da rotina, vai nos prendendo — e quando percebemos, já estamos amarrados por laços invisíveis ao que antes era apenas um costume.
É duro fechar ciclos. Ainda mais quando eles duraram tanto que quase se confundem com a própria vida. Descartar o velho, o que já não tem mais serventia, parece simples na teoria. Mas há sempre um fio emocional entre o objeto e a memória, entre o espaço e a história vivida ali. Ficamos presos à constância como se ela fosse salvação, esquecendo que tudo, absolutamente tudo, é transitório.
A impermanência me visitou muitas vezes — nas perdas que vivi, nos abraços que se desfizeram no tempo. Foi aí que entendi: não somos donos de nada. Nem das coisas, nem das pessoas, nem dos sentimentos. Somos, no máximo, cuidadores temporários de tudo aquilo que nos atravessa.
E agora, no meio de caixas, plástico bolha e fita adesiva, essa verdade ganha forma concreta. Estou separando o que fica, o que vai, o que já cumpriu seu papel. Cada escolha carrega um pequeno luto. Vender a Emery foi uma decisão consciente, madura. Mas não sem dor. Porque ela não era só um lugar. Era uma extensão de mim. Ali, por 24 anos, deixei pedacinhos da minha história: as plantas que vi crescer, os clientes que se tornaram amigos, as funções que me definiram por tanto tempo.
Despedir-se de um espaço é, também, despedir-se de uma versão de si. E mudar, nesse contexto, é mais do que trocar de endereço — é reconstruir-se sobre novas bases, é olhar para dentro e tentar entender quem se é agora, sem as molduras de antes.
Neste momento, sou um liquidificador em funcionamento: sentimentos, memórias, decisões — tudo agitado, sem forma definida. Mas há algo de fértil nesse caos. Porque do turbilhão nasce o recomeço. E talvez, quem sabe, um novo propósito esteja justamente nesse ponto de partida.
Cida Guimarães
10/05/25
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