segunda-feira, 19 de maio de 2025

A Última Vista





Entre caixas, escolhas e memórias, me vi parando diante da sacada. Era só mais um dia de organização, mas de repente, aquele gesto simples — olhar para fora — ganhou um peso que não cabia em malas.

Da sacada, por tantos anos, enxerguei o mundo. A ponta da Vigia, a torre da Igreja de São Joaquim, os morros da Ferrugem, da Barra, do Rosa,   de Ibiraquera, lá no fundo, quase sempre envolta em bruma ou sol. E, entre tudo isso, a vida passando.

Quando construímos esta casa, ainda havia morros e campos. O riacho corria tranquilo ao lado, e a vegetação rasteira nos dava uma visão aberta do horizonte. 

 Lembro da brisa, dos tons do entardecer, do silêncio interrompido só por pássaros. Aos poucos, o cenário foi mudando. As casas cresceram, as árvores também. As de Emery, antes podadas com rigor, agora se impõem, frondosas, como se sempre tivessem estado ali.

E eu? Também cresci. Me transformei. O mundo mudou comigo. Hoje, despeço-me da vista que moldou meus dias, como quem se despede de um velho amigo. Não é só a paisagem que deixo, são os anos que ela testemunhou.

Logo meus olhos se acostumarão a novos contornos, novas cores. Outras janelas, outros horizontes. Mas levo comigo esta imagem, ainda que turva pelo tempo — e os sentimentos que ela carrega. Será que conseguirei guardá-los todos? Talvez não. Mas hoje, por um instante, tento.



Cida Guimarães
20/05/2025

2 comentários:

  1. Que lindeza teu olhar! Quanta saudade vais sentir desta paisagem. Vendeste Emery?

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