sábado, 26 de março de 2022

REMINISCÊNCIAS

 





 
Olho para trás,  meus anos de primeira infância, equilibrando-me nos beirais dos canteiros,  que  dividiam  o pátio  em quadrados, cada um com diferentes árvores frutíferas.  
Lembro que em determinada estação, hoje não sei precisar qual, ajudávamos a ensacar as frutas para as  proteger dos insetos. Adorava fazer isto. Papai nos  dava alguns cruzeiros, (anos 50).  Colhíamos muitas frutas, que os parentes e vizinhos levavam em sacolas. Mamãe  também preparava vários  doces em calda: figo, laranja azeda, doce de batata doce.
Deliciosos! Consigo, hoje, ainda, sentir o
  cheiro e sabor. Incrível como lembramos cheiros e sabores.
Anos mais tarde, meu pai plantou um  canteiro  só com roseiras.  Ele amava, em suas horas de folga, pegar uma enxada e revirar os canteiros. Era um terreno longo de mais de 30 metros. Bem ao fundo, havia  um galinheiro.
Era muito especial  colher  os ovos e ver as galinhas  voando de poleiro em poleiro, cacarejando  alvoroçadas. Amava a cena! Era tudo muito de repente; com minha entrada, o caos se instalava. 
Assim é na vida da gente; o inesperado nos tira de nosso eixo. Esta é, talvez, uma lembrança  marcante de minha primeira infância. 


Não tinha muitos amigos, mais imaginários que reais, e meus irmãos eram bem mais  velhos. Me encantava criar histórias encantadas com minhas bonecas e meus diversos bichinhos de estimação. Tive um porquinho da índia, que amava vestir, e  arrastar  em minhas aventuras pelo pátio e vizinhança. Anos mais tarde, tive uma tartaruga. Minha diversão era fazer a Julieta colocar a cabeça fora do casco. Eu dava soquinhos no casco e chamava: “ Jujú, vem pra fora.”  Hoje penso que há muita gente como a Julieta, que se esconde do mundo, que pode ser  muito inseguro, apavorante.

Meu pai tinha um papagaio, Zacarias, mas com exceção de meu pai, Zacarias
 não deixava ninguém se aproximar. Bicava e xingava com o palavrão preferido de meu pai. “Que merda! “ Manhã cedo gritava: “ Louro  quer café.”
Para desespero de  meu pai, um dia o louro sumiu. Mamãe alegou que esquecera de cortar suas asas e que devia ter alçado voo e se perdido. Papai custou a se consolar. Algum tempo mais tarde comprou outro,  mas não era igual. Nada é. Tudo é substituível, mas não igual.
Ele nunca  soube  a história real. Rebeca, cadelinha pinscher da  mãe, junto com seu filhote Sheik haviam depenado e matado o pobre Zacarías. Mamãe encontrou as penas e seus restos, pelo pátio. Horrorizada nunca falou ao papai, e nos proibiu de contar a verdade,
Mentirinhas. Contamos algumas para evitar desentendimentos, tristezas,  mas a verdade dói  em nós.

Cida Guimarães
26/03/22

 

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