sábado, 4 de fevereiro de 2023

PRESENTE

PRESENTE:

"TODAY IS A GIFT CALLED  PRESENT"


Nem sempre lembramos que estar vivo é um presente, uma nova  oportunidade para crescer, aprender e fazer diferente.
Dia de jogar fora o velho,  as amarguras, os arrependimentos,  as dores e tristezas, e  olhar à vida com deslumbramento pelo inusitado, pelo surpreendente, com que sempre nos brinda.

O presente é  sempre uma dádiva. Muitas vezes, desperdiçamos  o hoje, vivendo em nosso piloto automático,  alienados e insensíveis à maravilha de cada momento, como único e precioso; ficamos vivendo o ontem,  ou tentando antecipar o amanhã,  e  acabamos não  vivendo  nada.  

Não  podemos reviver, refazer, ter de volta nenhum segundo, e tudo será,  sempre, diferente,  só  ficarão  lembranças, que precisamos, hoje, fazer o possível,  para que sejam lindas, e inesquecíveis.




Cida Guimarães
04/02/2023

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Vítimas ou Senhores de Si?


Quando achamos que somos vítimas de um mundo cruel, que tudo está desabando, precisamos olhar para o lado, e ver que há pessoas, com dramas muito maiores que os nossos, e muitas continuam a tocar suas vidas, sorrindo e brincando, apesar de suas  mazelas. Há outros que são os coitadinhos e insatisfeitos eternos; sempre infelizes, reclamando de tudo, sem olhar para o que têm, só para o que falta.

Não podemos ser vítimas das situações ou das pessoas. Tudo que nos acontece tem uma razão, passada ou futura, e há que ter consciência que toda ação desencadeia uma reação, e que é necessário olhar e analisar, com atenção, o que estamos ganhando ou perdendo, e o que podemos tirar de aprendizado, sem dramas.

Quando meu filho foi hospitalizado, e descobriram, que além do apêndice, razão primeira de sua internação, havia um tumor no intestino grosso, pensei meu Deus, mais isto? Que tristeza! É  demais, vou viver de novo a dor de ver um ser amado sofrendo? Novamente emergências, hospital?
Não vou aguentar!  Pensamentos egocêntricos porque foi meu filho o atingido, é dele o sofrimento maior, a dificuldade, e eu só preciso apoiar, ajudar. Não sou vítima de nada. Por que a autocomiseração? 
Mais tarde, conversando com os outros três pacientes do quarto de categoria SUS, pessoas sensíveis, e batalhadoras, descubro   histórias de dificuldades, lutas, e perdas.

Ir para uma cirurgia, em princípio, simples de apêndice, e ter um tumor extirpado, no intestino, sobre o qual ainda paira a incógnita, se é benigno ou maligno, caso de meu filho, é bem complicado, mas foi importante, essencial para um bom término.  Algo ruim, devastador foi extinto antes de se tornar uma preocupação. Já não existe mais, em seu organismo.  Uma etapa necessária foi vencida.  Agora é seguir em frente, com fé e dependendo do resultado, seguir as próximas etapas, com coragem.

Ouvir as histórias de vida difíceis, de muita luta dos demais três  pacientes do quarto 329 do excelente hospital Nossa Sra. da Conceição, em Tubarão, fez evoluir em mim o sentimento que ao nos vitimarmos não enxergamos a dor dos demais, esquecemos que, nesta vida, ninguém tem só alegrias; cada um de nós tem seu quinhão de sofrimento, e há que ver o lado positivo, o que ganhamos em aprendizado, dar graças a Deus, a cada dia, e seguir com coragem e fé, que vamos conseguir vencer nossas batalhas.

 Um dos companheiros de quarto levou 4 facadas do cunhado, sendo que uma perfurou o pulmão, quase atingindo o coração, algo horrível e difícil de entender; o outro, foi desviar de um cachorro, o carro capotou e ele fraturou três costelas, na cervical, sendo que o veículo foi perda total, e ele precisa do mesmo para seu trabalho; e o terceiro, ao perder o controle do carro, que tombou morro abaixo, deslocou o pescoço e várias   vértebras. A sorte foi que somente o paciente, motorista do carro, se machucou seriamente.  Sua filha e as netas saíram ilesas. Ele já não podia estar dirigindo, pois tinha problemas de saúde, que afetavam sua destreza ao volante, mas devido à  sua teimosia, colocou a vida dos seus em risco. Aprendeu uma lição dura.

Estas histórias, e outras, fazem reverberar o sentimento que não podemos  considerar-nos vencidos. Há que batalhar, e seguir, com coragem, ou seja, acreditando em nossa força interior, em nossos anjos protetores.
Não podemos ser vítimas de uma situação, sempre é possível ter controle sobre nossas escolhas/ ações, e sermos senhores de nós mesmos. Olhar os ganhos de cada situação, e quais foram as bênçãos. 
É necessário autocontrole, fé em nossa capacidade de resiliência, e ser consciente que tudo, sempre, passa. As alegrias, as dores; tudo é efêmero.  Precisamos viver cada momento, como único, sem nos considerar vítimas, mas agentes de mudança, interna/externa, em uma eterna busca por nosso crescimento pessoal.

 Sermos senhores de nós!

Cida Guimarães
04/01/2023

domingo, 11 de dezembro de 2022

Derradeira Homenagem!


No dia 07/12, exatos três  meses após  a passagem do meu amor, fomos  fazer  nossa última homenagem, lançando suas cinzas ao mar, no lugar que amava,  e que escolheu para viver comigo os melhores anos de nossas vidas, a praia de Garopaba.

Cinzas, isto  que resta de nossa matéria, após nossa partida, se optamos pela cremação, mas  garantidamente, no final, viramos  pó. 
Não imaginava que seria algo tão doloroso! Sempre me pareceu que engavetar uma pessoa era horrível. Ficar emparedado! Entretanto, não sei se sofremos ao ser cremados. Será que nossa alma sofre? 

 Dentro da urna,  em um saco plástico, quase 1 quilo de cinzas, quase pó. Se não acreditarmos que nossa alma é imortal, e que nossa jornada,  nesta terra de provas e expiações, tem o propósito de nos desenvolvermos, melhorarmos, como pessoas, então tudo é muito sem sentido. Tanta luta, tantas dores, sei  que intercaladas por  muitas alegrias e conquistas, mas sempre a impermanência de tudo, tanto das dores quanto das alegrias para no final não levarmos nada, virarmos pó.  Tudo é muito efêmero!

Tenho a consciência que meu amor não é aquele monte de cinzas, mas o pensamento de que foi isto que restou de sua parte material me dá um nó na garganta, uma emoção gigante, e é difícil esta nova despedida.

 Pegamos, eu o Seba ( neto) a Sol e a Nina (bisneta) um barquinho pequeno, com o Lúcio e o Gabriel (pescadores) e fomos até um barco maior. Todo um esquema de passar de um barco  para o outro, e rumamos em direção à Vigia. O mar meio encrespado, tornando nossa  jornada um tanto quanto arriscada, resolvemos não ir até o outro lado da Vigia, e  decidimos ancorar, e  lançar suas cinzas ao mar  quase chegando a virada para devolver seus restos à natureza, à liberdade. Eu e Sol após ter  lançado, punhado a punhado suas cinzas ao mar, jogamos flores, e fomos todos arrebatados pela tristeza, pela emoção de estar nos desfazendo de um restinho de um ser muito amado. Será que ele também presenciou esta despedida?

Na volta, muito emocionados, nem sequer nos abalamos quando após passarmos para o barco menor,  Lúcio aconselhava Gabriel, que remava, a parar, e esperar determinada onda passar, e depois seguir. Como na vida, não podemos ir contra a maré, há que observar, e seguir o fluxo, com cautela e escolhendo as rotas.

 Devíamos observar mais os animais e a natureza, que  nos dão lições preciosas. Tudo tem seu tempo e hora e há  que prestar muita atenção  no quê focamos, o quê realmente importa nesta vida para não nos  perdermos  de nós, e de nossa missão.

Até um dia amor.... no céu, no mar, no além, mas, com certeza, nossas almas irão voltar a se reencontrar. 



Cida Guimarães
 08/12/2022











sábado, 15 de outubro de 2022

Lições de Vida

2022, vem sendo um ano difícil, e acredito, não só para minha família, mas para nosso país, e para o mundo: guerras, conflitos, doenças, catástrofes; um ano de dolorosas perdas, e a cada uma, parece que revivemos a anterior, que se expande e nos engolfa.

Quando parece que estamos enxergando uma luz, que vai sair o sol, vem novo turbilhão, e arrasa tudo. Torrente incessante de lágrimas. Conforme o ditado, "A Terra é  um mar de lágrimas". Natural, considerando que vivemos em um mundo de penas e expiações, mas estes são lugares-comuns, distantes,  aos quais não nos prendemos até  que  a realidade nos atinja, e nos force a  encarar o que, então, vira verdadeiro  para nós.

Choramos, pelos que se vão,  mas também, por nós, pelo  que perdemos; choramos o fluxo incessante da vida, que vai mudando tudo, tirando tudo de lugar, arrasando nossas certezas, tirando nossos esteios, e nos jogando de cara para um futuro que se avizinha, a nossa finitude.  Sim, é  tão  difícil entender o paradoxo  de nossa existência!

Tanta luta, tanto esforço,  tantos desentendimentos, para quê? Não  vamos levar nada daqui, e logo seremos pó, e tudo  aquilo que, para nós,  era fundamental, vai ter deixado  de existir. E nós? Talvez, em alguns poucos corações,  permaneçamos como uma lembrança amada, em outros, esmaecida, senão esquecida.

O que vale a pena, então? Acredito  que os amores, os afetos reais, que permanecerão  aquecendo nossos corações; as experiências  vividas, e as lições  aprendidas.  Somos, hoje, pessoas distintas? Podemos olhar no retrovisor e estranhar atitudes, decisões, que  hoje, nos parecem pertencer a outra pessoa, a um ser que não  existe mais?

Se isto for real, terá  valido a pena o caminho percorrido porque teremos evoluído, e seremos versões melhores  de nós  mesmos. Não  acabadas, perfeitas,  mas melhores, e teremos que agradecer à  Vida, às  nossas perdas, e lições de Vida. Sim, hoje, no dia do Professor, e sendo um,  sei não haver  melhor mestre que a experiência  vivida. A teoria pode somente iluminar a prática,  e nunca o oposto. Precisamos sentir, nos apropriar da questão para então poder  entender  e, quem sabe, aprender, e depois ensinar para também aprender.

Cida Guimarães
15/10/22

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Celebrar? Não. Homenagear? Sim, com certeza.



Hoje, 04/10,  dia de nosso aniversário  de casamento.  Não há como não  lembrar e prestar  minha homenagem ao que vivemos e compartilhamos em nossos 28 anos de parceria.
Selamos, neste dia, no ano de  2007, uma  união  de, então, 13 anos.
 Nos conhecemos, e iniciamos nosso relacionamento em 13/08/94. Foram 28 anos de uma história  linda, de lutas, sonhos, dificuldades e conquistas.  Realizamos muitas coisas,  assim como superamos outras tantas.
É  lindo recordar! 
Algumas destas fotos mostram  flashes de momentos inesquecíveis. Tudo passa, se extingue , mas a fotografia  fica.

 
Emery Village foi um sonho realizado, em conjunto, impossível  sem meu amor, que idealizou, plantou, regou,  criou, consertou, pintou, cuidou, e amou cada um de seus cantinhos. 
Até mesmo o nome de minha mãe, Emery, foi sugestão  dele. Seu toque está  presente em tudo.
 Obrigada, meu amor, pelos anos que compartilhamos, pelo carinho, cuidado e amor.

 Saudades eternas!

Cida Guimarães
04/10/2022

"Nunca sabrás que tu alma viaja dulcemente refugiada en el fondo de mi corazón y que nada, ni el tiempo, ni la edad, ni otros amores, impedirá que hayas existido.
Los caminos que seguiste, hoy me señalan el mío, aunque jamás sabrás que te llevo conmigo, como una lámpara de oro para alumbrarme el camino, ni que tu voz aún traspasa mi alma. 
Suave antorcha tus rayos, dulce hoguera tu espíritu. Aún vives un poco porque yo te sobrevivo".

- Marguerite Yourcenar✒📚


domingo, 25 de setembro de 2022

Primavera Gelada !



E  a primavera iniciou com frio, e está  combinando com  minha alma, que está gelada,  A dor, e a tristeza  da perda de meu amor, meu companheiro, parceiro de vida, vestiram-me de uma camada fina de gelo, como se eu tivesse, de repente,  parado no tempo. Fico a reviver cenas, momentos passados juntos. 
Como lidar com esta perda tão definitiva?  

Escutamos  frases lindas sobre nossa finitude, sobre ser forte, cuidar de si, e que a vida segue. O desejo é de nos reconfortar, e, talvez, eu até dissesse para alguém o mesmo,  na mesma situação, mas  no momento da perda, não ajudam. Só o abraço e a presença bastam.  O único que queremos é parar o tempo, retroceder,  fazer a roda voltar, e ter novamente nosso amado conosco. Sentir o abraço gostoso, a palavra carinhosa, compartilhar momentos e ter novas experiências conjuntas. Precisamos do silêncio, de estar conosco e com nossas memórias, viver nosso luto até a dor  amainar, e conseguirmos revisitar lugares e pessoas que foram parte de nosso cotidiano.

É difícil o recomeço. Há que criar  uma rotina distinta,  novos hábitos, e ir, pouco a pouco,  se desvencilhando de coisas  que te remetem ao passado. Há que seguir. Estamos vivos, e ainda temos algo por construir, ou melhor, não terminamos nossa tarefa por aqui.

Ainda não sei o que quero ou espero dos dias que virão,  mas  vou  viver cada dia da melhor forma possível, resolvendo os pequenos e grandes problemas, na medida que forem surgindo, e buscando forças para seguir. Há que  prosseguir.

 Acredito que temos um tempo pré-determinado,  em nossa estada  aqui, e há que cumprir  nossa tarefa, que, se ainda estamos vivos, não foi ainda cumprida. Amo a vida por ela ser tão surpreendente. Nos joga literalmente no chão, mas depois nos brinda com o inesperado. É só estar desperto, observar a natureza, os pássaros, a vida acontecendo, e ver tudo de bom e  belo que nos circunda para vermos como  somos abençoados.



CidaGuimarães 

25/09/22


segunda-feira, 22 de agosto de 2022

A eternidade na finitude!


Tudo é  finito, e está em constante mudança, incluindo nossa opinião, que é  distinta quando somos nós, que estamos no centro de um  problema!
É  tão  fácil emitir pareceres, julgamentos,  quando se trata dos outros. Ficamos distantes, protegidos. Há  como que uma blindagem,  que evita o sentir, entrar no âmago da questão, e aí  julgamos, damos conselhos, somos os donos do saber.

Venho me questionando muito sobre algumas de minhas opiniões, já emitidas, sobre assuntos diversos, e controversos: doenças terminais, eutanásia, cuidadores, outros...
Venho mudando meu entendimento. É  bom mudar!
Sou favorável a sermos donos de nossas vidas, ter o direito de escolha, livre arbítrio, e absolutamente contra manter, artificialmente, uma pessoa desenganada,  através de tubos/ equipamentos. Sempre pedi ser agraciada com uma morte rápida, sem sofrimento. Temos que ser  muito abençoados para  ganhar este prêmio. Entretanto, quando vemos um ser amado sofrendo,  nestes momentos dolorosos, só queremos minimizar a dor, e fazer o possível, e até mesmo, o impossível para reter nosso ente querido por mais um tempo, por curto  que seja, entre nós. Queremos evitar a perda , que é muito dolorosa.

Lidamos muito mal com perdas;  estas, entretanto,  são nossas únicas certezas. Nada nem ninguém é permanente, sendo a impermanência, a única constante;  não  conseguimos lidar  com este fato, com a naturalidade que deveríamos;  o desespero de sermos impotentes face a finitude, nos joga no chão.
Que importa nesta hora nossos títulos, conhecimento, propriedades, dinheiro?
 Somos somente grãozinhos, prestes a se desintegrarem,  e só  o que fica são  os afetos que criamos, os corações  que tocamos.

Então,  se perdemos alguém muito jovem ou muito velho, se estava são ou doente, não  faz a menor diferença pois a dor é  gerada pelo amor e carinho compartilhado, a importância da pessoa em nossa vida,  a falta que nos fará, e tudo que já  não  mais será compartilhado.

A presença física, o cheiro, o toque, o carinho, a possibilidade de realizar sonhos já  imaginados, criar novas lembranças, compartilhar planos, brincadeiras, experiências  já não  serão  possíveis. Permanecerão somente as lembranças dos momentos  passados, tenham sido eles felizes,  tristes, bons ou ruins; não importa, pois serão  eternos em nossa  finitude.

Cida Guimarães
22/08/22


terça-feira, 31 de maio de 2022

Superstições

 
Não sou uma pessoa supersticiosa, mas acredito na força do pensamento,  e em minhas intuições. Estas  não têm,  geralmente,  a ver com crenças infundadas, como  a que diz que ver um  gato preto significa morte;  que dá  azar passar debaixo de uma escada  e uma série  de outras, que conforme a cultura, têm um significado distinto.

Meu pai não nos deixava varrer a casa a noite pois dizia que o dinheiro saia pela porta, e minha mãe  tinha a superstição que quando deixávamos cair talheres, vinham visitas em casa. Uma faca e/ou uma colher  era uma mulher, um garfo um homem.  Se caíssem os dois, viriam ambos. Isto, realmente aconteceu várias vezes. Coincidências? Talvez. Tudo sempre depende de onde colocamos nosso pensar, da importância que damos a determinados fatos. 

Para entrarmos em um templo chinês, você tem que dar três badaladas em um sino: para chamar Deus, avisando que você está chegando,  e pedir permissão para entrar. São  lindos os rituais. São  superstições? Acredito que podemos denominar crenças, que são seguidas,  há milênios.

No México,   a cerimônia  de casamento tem também uma série de rituais lindos, e no dia dos mortos levam comida e festejam a nova vida.

Me espantei  na China, com as noivas casando de vermelho porque é  a cor da paixão,  da sorte; com gatos acenando na porta para trazer  dinheiro, e os três chineses simbolizando as prioridades na vida: o primeiro, vermelho, é você ter  sorte; o segundo, o verde,  simbolizando  sabedoria,    e  o último a ser atingido é  o velho de cabelos brancos, a idade avançada.  Se só  tivermos sorte,  sem sabedoria,  não chegaremos à velhice. 

O que mais me espantou, e posso dizer ter sido, para mim, uma superstição  concretizada foi  um tailandês  me perguntando se eu era uma sexta feira. Fiquei bem  confusa: “Como assim?  por qué? O que tem a ver? “Nunca havia pensado, e nem sabia em que dia da semana  eu havia nascido  e se eu era/ sou uma sexta feira.   Só  depois fui pesquisar (Google,data de nascimento/calendário) 
e constatei que ele estava certo. Eu sou. Como descobriu? Minhas características são assim  tão  evidentes? 
Acreditam que o dia da semana em que nascemos infuencia nosso agir. A sexta é  regida  por Vênus, planeta do amor,  do social, da elegância. Muitos me veem assim.  Será? Nem sempre.

Os povos orientais são muito supersticiosos, e têm  mais rituais do que nós  ocidentais.
Eu acredito que damos força, e tendemos a tornar realidade tudo aquilo em que acreditamos, e nos  empenhamos em realizar, fazendo  com que nosso pensamento acabe afetando nossa realidade, e certas coisas, realmente, acabem  acontecendo.
 Rituais seguidos e tradições mantidas viram superstições.  Claro, vai depender de nosso agir. Se nada fizermos, nada vai ocorrer.


Cida Guimarães 
31/05/2022


domingo, 29 de maio de 2022

Minha Maior Lição

 


 


A vida  vem me dando várias lições. Nem sempre as aprendo, então,  às  vezes, ela se encarrega de me fazer viver situações similares, desafiantes, sucessivamente.  Acredito  que sou uma aluna  um tanto relapsa. Digo isto porque, invariavelmente, fico envolvida em problemas, que, no fundo, têm algo em comum, e já foram vividos, experienciados, de alguma forma.  Há  alguém  necessitando de ajuda,  e um dilema moral  e econômico a ser resolvido: o que devo ou não  fazer? O que é  positivo/ negativo? Posso/ devo me  omitir/ interferir? Como isto vai me afetar? Como lidar com a culpa se eu não agir ou se minha ação for equivocada?

Como todas as grandes crises envolvem sentimentos e situações complicadas, nosso senso ético, os conceitos  e preconceitos, com que fomos criados,  foi somente após muita reflexão, que  constatei que  todas as situações por mim vividas, envolviam decisões em que eu me debatia com meu ego. Minha razão e minha emoção gritavam  querendo coisas distintas. Sempre evitei o julgamento e procuro me colocar no lugar do outro para ver como eu agiria, mas meu ego, sempre interfere. Pensamos ser melhores, superiores. Cheguei , então, a conclusão   que o desafio era lidar comigo mesma, vencer minhas limitações. Ser humilde.  Este é o pré-requisito, a lição primordial, que irá dar  sustentação ao  resto.

 Humildade para reconhecer  minha impotência  frente à vida  e aos  demais. Ter consciência que só posso responder por mim, decidir, e enfrentar as consequências, de minhas ações, sejam elas quais forem, mas não tenho como impedir, ou definir os rumos da vida dos outros, por mais amor envolvido.  Preciso exercer a humildade de me saber finito, restrito e incapaz de alterar os percalços que a vida irá  nos fazer enfrentar. O único que posso dominar é o meu eu, reconhecer minhas limitações, e  usar meu livre arbítrio  para fazer as escolhas adequadas com coragem e determinação.

Ser humilde, entretanto,  envolve  muitos pequenos e grandes passos: ter consciência de meus pontos fortes e fracos, reconhecer minhas vulnerabilidades, erros, ser capaz de me despir de camadas de auto proteção,  egoísmo  e máscaras, e mostrar-me como realmente sou. Esta é a grande dificuldade e a lição maior que tenho que aprender- identificar meu eu real.

Quem sou eu ? Lá, no fundo, não identificado por muitos? O que quero da vida, qual meu objetivo,  o que desejo  deixar como  legado de vida?

Aprender a ser autêntico, expressando e evidenciando, aos demais, meu eu interior;  não ser  uma marionete manipulada; saber, com suavidade, colocar  uma linha divisória  entre o que é  bom para os outros, e o que é bom para min;  agir para  contemplar necessidades diversas, sem trair meus sentimentos, sem me violentar, e/ou  magoar os outros.

Tenho consciência que somos eternos aprendizes e que ainda vou ter que  retomar conceitos, refazer lições e revisitar minhas posições e atitudes para ver se estou realmente aprovada nesta lição. A lição de reconhecer meus limites, minhas possibilidades e que não sou melhor ou pior do que ninguém; só distinta, única, como são todos os demais.

 

Cida Guimarães

21/05/2022

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Mentiras Brancas






O que são  mentiras brancas? Existem as pretas?  Revendo esta postagem , acredito que, hoje, já não devemos utilizar o termo mentira branca pois  não é politicamente correto. Como se o branco fosse bom e o preto ruim.  Linguagem carregada de pré-conceitos.

 Uma mentira pode ser boa? Para quem?

Esta história de mentira branca tenta justificar aquelas mentirinhas bondosas, que procuram mudar a realidade, preservar o outro, ou achar uma forma mais fácil para si mesmo de contar algo não abonador. Uma mentira nunca é positiva. Ela acaba prejudicando tanto o que conta como o dito beneficiário.  Custei  muito a me livrar desse hábito triste de mentir, ou distorcer os fatos. Em casa, isto ocorria,  com frequência, o que me confundiu  e atrapalhou muito. 

Havia visitas, que mamãe não queria receber, e dizia: "Diz que eu saí". Me envolvia em sua mentira. A pior, que me lembro, foi quando fiquei doente  com pleurite, e tinha que falar estar com problemas de tireoide. Não entendia na época com 11 para 12 anos o porquê.  O problema era o preconceito, na época, com a tuberculose,  então de difícil tratamento. Em cada época uma doença é maldita. Sempre o preconceito ou a preocupação com a opinião dos demais.
 Havia gastos, coisas pequenas, que também  minha mãe  escondia do papai, que era mais pé no chão, e encarava a realidade.  Não  há  aqui uma crítica a minha mãe, muito importante, amei, e vou amar, sempre; possuidora de qualidades admiráveis, mas ninguém é  perfeito,  e este era um problema originário de uma criação/ relação equivocada,  de preconceitos e falsos valores arraigados. 

O hábito de   mudar,  transformar e nunca contar a verdade, nua e crua é pernicioso, se instala e vai gradativamente minando relacionamentos .
 A confiança se perde quando nunca nos contam as coisas, como  realmente são. O nariz vai crescendo e fica disforme que nem o do Pinóquio, que ilustra bem a moral da história.

Nos relacionamentos sociais esta é uma prática comum. Convites que não são convites, elogios falsos, frases de efeito e promessas nunca cumpridas. Raro encontrar alguém que  ao ser questionado sobre algo te dê sua opinião real, sincera. Há, invariavelmente, a tentativa de não desagradar, falar o que seria melhor aceito. 
Muita hipocrisia !
O pior é que a pessoa fica prisioneira da mentira e acaba até mesmo acreditando nela.

Já  contei mentiras?  Claro, mas nunca foi positivo. Hoje  por mais  difícil que seja  tento ser honesta e contar a real, ou pelo menos, me esquivar da resposta. Outro dia li que ao ser questionado sobre algo, que não desejamos responder, a melhor opção  é  perguntar:
" Por que você gostaria de saber isto?"
Eu, geralmente, não faço  perguntas invasivas, que coloquem o outro em uma situação constrangedora, exceto se tenho muita intimidade e desejo ajudar.

Há  também  as omissões. Não contar é  mentir? De certa forma, dependendo,  do que está sendo omitido, sim. Se afeta o outro, se saber algo pode mudar ou interferir na vida da outra pessoa, sim, a omissão é uma mentira.

A sinceridade absoluta não  é  fácil e talvez, seja até impossível porquê iriamos magoar e   ferir as pessoas ou sermos magoados. Há  coisas que é  melhor silenciar. Uma dicotomia que precisa de nossa atenção  e muito cuidado para saber dosar e utilizar com sabedoria nossa sinceridade.  Uma arte a ser cultivada. A sinceridade total é, muitas vezes, pura  grosseria. 




Cida Guimarães
23/05/2022

terça-feira, 3 de maio de 2022

UMA NOITE DE TERROR !

 



Deitada no sofá da sala,  de pijama,  assistindo TV depois de um  interminável dia de aulas, Joana  curtia a paz, quando  se fez noite.  Tempestade se aproximando. Continuou se refestelando  embora a sala fosse repetidamente iluminada por  relâmpagos,  seguidos por estrondos, e a chuva, agora, fosse torrencial. A natureza  estava em fúria. Tenta se concentrar na novela. Sempre temeu os temporais.

Soa a campainha da porta freneticamente. Quem seria? Não era o interfone, então deveria ser um morador do prédio. Levantou-se,  abriu a porta, e deu com o Sr Márcio, seu vizinho de porta,  senhor idoso,  meio mal-humorado.  Geralmente, vinha   evitando puxar conversa com ele, pois  desfilava sempre  um interminável rosário de queixas. Para o seu“ Bom dia, tudo bem?” A resposta era invariavelmente“ Não, nem sabe, estou com muitas dores, e hoje....” Naquele dia foi incisivo:
"Rápido,  saia rápido, que a água já vai invadir seu apartamento". Sem entender bem, Joana  olhou para baixo e viu que a água, realmente, já adentrava o apartamento.  Foi nos fundos, onde havia uma área adjacente a cozinha e viu a água entrando com força. Já  estava em dois palmos de altura. Desesperada, sem saber o que fazer,  pegou o celular, óculos,  levantou alguns poucos objetos, e de pijama mesmo desligou a chave de luz e foi com o Sr. Márcio para o  apartamento da Jacira no 1°andar,  onde já se encontravam outros moradores. Foram todos  para as janelas do apartamento de frente e para as escadas, que tinham janelas para a rua, que havia se tornado um rio;  no térreo, a água já estava, agora,  na altura de meia janela.

Viram uma mulher pedindo socorro; o  carro  dela boiava e  ela não conseguia sair  do mesmo.  Gritos aflitos! Carlos, homem alto, musculoso dono de um lava-carros/garagem a meia quadra do prédio, onde Joana também guardava seu carro, aparece para ajudar, e consegue retirá-la pela janela. Cena inesquecível. Medo, tristeza, compaixão, alívio. Mistura de sentimentos. Nunca imaginara viver algo assim!

 Eram três os moradores do térreo: Joana, que vivia só, o  Sr. Márcio, com a esposa e Katia, com marido e dois filhos.  O apartamento da Kátia era  o maior, deste andar, com  dois quartos.
A sensação  de todos era de desespero e impotência, vendo suas casas serem alagadas.  O senhor Márcio, morador antigo do prédio,  já  havia vivido esta situação antes; Joana nunca havia pensado ser protagonista de uma cena tão aterradora.

 Quando  visitou  o imóvel para comprar havia  lhe chamado a atenção uma escada no térreo, que lhe pareceu sem sentido. Era em V invertido e não levava a lugar algum; a escada  para os demais dois andares  era mais atrás, sem conexão com estes três degraus. Havia perguntado e  lhe disseram haverem levantado para evitar alagamentos.  Pareceu estranho, mas não lhe ocorreu que pudesse  entrar água, na proporção do ocorrido. O apartamento era o que estava buscando. Lindo, aconchegante, e com um mini pátio, nos fundos.

 A chuva forte durou cerca de 1 hora, mas ficaram no 1.º andar por cerca de  três horas, até a água baixar. Neste ínterim, Joana tentou ligar para os filhos, mas só conseguiu falar com  Pedro, o mais velho, que disse para ela  ir para a  casa  dele, o que, no momento,  era impossível. Estavam ilhados. Ligou para o namorado, que estava em viagem,  para desabafar, contando que ao sair do apartamento a água já estava no meio da janela, 1 metro e meio.  O que ele poderia fazer? Só a necessidade dela em desabafar, e dividir este momento horrível com alguém próximo como se isto fosse amenizar o que estava passando e sentindo.
Quando, finalmente, a água baixou,  desceram para ver os estragos. Um horror!
A geladeira boiava no meio da cozinha, gavetas alagadas. Lama  e entulho. Uma devastação com muitas perdas. Um cheiro horrível. Não era possível examinar os estragos porque à luz de velas,  só  era possível  ver que os móveis haviam sido muito estragados.  Impossível ligar o interruptor, pois poderia causar um curto-circuito.
Trocou de roupa, pegou documentos e dinheiro que,  graças a Deus, guardava em   gavetas mais altas, caminhou até a avenida, com água, ainda pela canela, e após alguns minutos conseguiu chegar até um ponto de táxi, e foi para o apartamento do filho.  A garagem, na mesma rua, onde guardava seu carro, também estava alagada e seu carro precisaria, com certeza,   de reparos.
Uma sensação de abandono, perda, desespero.  Sua casa, seu canto de lazer, e até  seu  carro, destroçados. Não sabia  quais  eletro domésticos ainda estariam funcionando, e   nem estimar as perdas reais. Estava abalada, havia perdido sua noção de pertencimento,  seu lugar de descanso, seu refúgio.
Ficou imaginando como deveriam se sentir os moradores ribeirinhos, que vivem esta situação, rotineiramente, ou  no temor que possa ocorrer. Pensou, também, nos grandes desastres/calamidades, e no sentimento das pessoas que de uma hora para a outra perdem suas casas e pertences.

 Manhã do outro dia, após uma noite insone, com as cenas se repetindo em sua cabeça, como em um filme, chegam, ela e o filho ao apartamento. A rua é um entulho de lixo, lama,  restos, esgoto. Fede muito! Há muita gente na rua, além de repórteres de TV. Todos questionando, comentando e confraternizando na dor. Havia  histórias  piores que a dela.  Kátia, cujos móveis não  eram embutidos, tombaram, quebrando objetos, causando muito estrago,  e com perdas ainda mais significativas.
Joana nem sabe por onde começar. O apartamento está destruído. Os tabuões do chão estão  com buracos, os armários embutidos soltando a cobertura de MDF, livros inchados, sapatos  que ficavam em gavetões, embaixo da cama, destruídos. Gêneros perdidos. Havia comprado há pouco duas poltronas, brancas, lindas de embalo, que jaziam  tombadas, cobertas de barro.
 Começam a tentar a limpeza, levantando os eletrodomésticos e testando tudo. Adentram os repórteres, com câmeras de TV,  questionando as causas e solicitando entrevista. Joana dá uma declaração: 
 "Esta tragédia foi provocada por obras inacabadas na construção de um ducto, que devido a um planejamento pobre e descuidado, bueiros entupidos, deixaram ruas vulneráveis, e a enxurrada veio derrubando muros e estacas mal colocadas.  "O que as autoridades vão fazer agora?  Como vão indenizar os moradores ?”
Após recolherem a  roupa para lavar, colocando muita coisa no lixo, chamaram uma equipe para limpar e desinfetar tudo.   Era humanamente impossível fazer todo o trabalho. Nem sabia por onde começar. Foi para um hotel  já  que não era possível pernoitar ali.
Voltou para o apartamento após 3 dias, mas a sensação era horrível.  A cada noite e a cada temporal, o medo de um repeteco; além disto, minhocas e outros insetos saiam do piso danificado. O cheiro de esgoto insuportável. 
Não houve  auxílio/ contato por parte do município ou medidas para prevenir nova tragédia , com a obra se arrastando. Um ano depois,  o apartamento já reformado, voltou  a ser alagado e Joana decidiu vender.  Não queria arriscar uma próxima vez.  
Situações traumáticas ficam como impressas, e conseguem fazer o sentimento original ser revivido.

 Sem esconder  o ocorrido,  com o imóvel em perfeitas condições, conseguiu um preço justo. Não conseguia mais morar ali. As recordações eram penosas. Iria recomeçar em outro lugar.  Queria outras lembranças. Aquela casa já não mais seria seu lar, sua segurança, seu refúgio.

A obra acabou sendo concluída, quase três anos depois, e acabaram-se os alagamentos.  O município  não se responsabilizou  ou ressarciu os moradores pelo prejuízo e tiveram que entrar na justiça para cobrar seus direitos. Ganharam a causa, danos físicos e morais, mas os precatórios ainda não foram pagos, em sua totalidade.


 NA: Crônica com base em fatos ocorridos. 
 

sábado, 16 de abril de 2022

A Decisão




São os últimos raios de sol de uma  sexta-feira outonal. Um friozinho gostoso, e  Jorge, sentado na varanda de sua cobertura, no Morumbi, em São Paulo, está absorto, mergulhado em uma angústia profunda e totalmente alheio a beleza circundante. Está olhando para dentro de si, nos seus 45 anos. Sente o peso  de suas escolhas imaturas. Pensa: “Deus, que fiz até aqui? Podia, hoje, estar tranquilo e estou neste atoleiro, sem saber o que fazer.

Pensa em Carla sua  companheira há 10 anos. Casaram oficialmente há cinco anos. Ama ela, mas o relacionamento vem se deteriorando. As brigas e desentendimentos vem sendo a tônica dos últimos dois anos. Como chegaram a isto?

Iniciou sua carreira de modelo  ainda muito jovem.  A primeira experiência que acendeu esta possibilidade foi aos 10 anos, quando ganhou um concurso de fantasias, como pirata; alguns anos depois  começou a posar, profissionalmente. Sua mãe o incentivou, e aconselhou até  sua morte  repentina, 15 anos atrás.  Fez muito dinheiro. Entretanto, nunca foi um administrador  eficiente, e nos últimos anos  esbanjou muito,  estando, hoje, atolado em dívidas.

Conheceu Carla no estúdio, onde ela também trabalhava como maquiadora e engataram um romance. Quando oficializaram a relação, Carla decidiu parar de trabalhar, afinal, estavam bem de vida, só que se deslumbrou . Só festas, roupas caras, viagens, procedimentos  estéticos. A relação foi mudando, como  acontece, quando a paixão esfria, e se conhece a face oculta do outro.  A carreira de Jorge também foi perdendo o fulgor. Sem contratos milionários, viu as ofertas minguarem; não soube administrar e adequar gastos à nova realidade,  atolando-se em dívidas.

Não sabe, e não  tem a quem recorrer. É filho único de pai, hoje, viúvo, funcionário público aposentado, com parcos rendimentos. Pai severo, com ideias preconcebidas e pouca flexibilidade em aceitar o contraditório. Sem parentes próximos, ou amigos  mais chegados. Está  encurralado!

 Na 2.ª feira, quatro dias atrás, seu agente  surgiu com uma proposta  tentadora, mas indecente, conforme o olhar e a perspectiva adotados. Uma ‘socialite’, nacionalmente conhecida e meio doidivanas, solicitou a seu agente que lhe propusesse ser  acompanhante dela, em uma viagem internacional, de uma semana, onde iria precisar  comparecer a uma série de eventos, e queria contar, especificamente, com sua companhia. 
Jorge perguntou  ao  seu agente, Pedro, porque  havia sido o escolhido, e ele  disse que o motivo  era a admiração  de Carla por sua postura, atitude e aparência.  Ela ofereceu uma quantia considerável, que resolveria seus problemas financeiros atuais.

Sua resposta precisa ser dada até 2.ª feira. Faltam três  dias. A viagem é na próxima 6.ª feira, ou seja, dentro de uma semana. Há muito em jogo. As implicações são óbvias. Jorge não é um moralista, pudico, mas sabe que de alguma forma estará  vendendo: sua imagem, seu corpo  seu tempo; sua alma e emoções não, mas as consequências, com certeza, vão afetar a forma que irá lidar consigo mesmo, com sua esposa,  seu pai, a mídia. É óbvio que não vai conseguir ocultar este arranjo. Ambos, ele e a ‘socialite’, são pessoas públicas. Conhece o temperamento explosivo e ciumento de sua mulher, e com certeza os tabloides vão explorar  a situação. Tenta argumentar consigo mesmo que é um negócio, e que seus sentimentos não vão estar envolvidos, mas isto é o que ele sente, e não  o que Carla vai sentir. Paralelamente, está cansado da vida que vem levando. Vida de aparências, sem trocas reais. Não se preocupa com a possibilidade, real, de ter que vender seus bens para quitar as dívidas, pois sabe que tudo  é temporário, e impermanente. Se preocupa, sim, com o que fazer para viver, onde morar, como manter Carla, se ela não o abandonar, o que é difícil, pois não tem como se sustentar (será este o único motivo ou  há hoje também uma dependência emocional?),  e como ajudar o pai. 

 Como adoraria poder dividir o peso desta decisão com seu pai e sua mulher, mas sabe  que isto não é possível. Seria ainda mais complicado.  Seu pai iria ficar horrorizado e Carla talvez até achasse uma boa ideia, mas depois iria odiar a si mesma, e a ele.
Tem três dias ainda.  Tem consciência que a decisão mais fácil nem sempre será  a melhor, pois as consequências podem ser as mais árduas. Dentro de si, entretanto, já tem a resposta. Está cansado, quer mudar, precisa de paz. Quer o real, ser amado por si mesmo. Não é um covarde, e vai enfrentar o que vier. Acredita que pode encontrar forças dentro dele  para recomeçar  do zero.

Chegou o dia  do encontro e decisão. Tenso, difícil.  Jorge está muito nervoso, mas finalmente decidiu. Sabe que não vai ser fácil lidar com as consequências, mas tem consciência que sua escolha  não  poderia ter sido outra.     Precisa  ser forte para tocar a vida , mas é o que seu coração, sua intuição está lhe dizendo.  Não  poderia agir de outra forma.  Estar em paz consigo mesmo é  o que importa.    

 Quando relata sua decisão,  seu agente reage mal. Há irritação, não aceitação e descrença que esta possa ser a sua escolha.
As percepções e entendimento são usualmente distintos. O exercício de se colocar no lugar do outro é difícil e  raro.
 Decidir é muito difícil; Sempre vamos arcar com os resultados de nossas escolhas, e Jorge ainda não tem consciência plena do que terá que enfrentar, mas pelo menos tem coragem.






sábado, 26 de março de 2022

REMINISCÊNCIAS

 





 
Olho para trás,  meus anos de primeira infância, equilibrando-me nos beirais dos canteiros,  que  dividiam  o pátio  em quadrados, cada um com diferentes árvores frutíferas.  
Lembro que em determinada estação, hoje não sei precisar qual, ajudávamos a ensacar as frutas para as  proteger dos insetos. Adorava fazer isto. Papai nos  dava alguns cruzeiros, (anos 50).  Colhíamos muitas frutas, que os parentes e vizinhos levavam em sacolas. Mamãe  também preparava vários  doces em calda: figo, laranja azeda, doce de batata doce.
Deliciosos! Consigo, hoje, ainda, sentir o
  cheiro e sabor. Incrível como lembramos cheiros e sabores.
Anos mais tarde, meu pai plantou um  canteiro  só com roseiras.  Ele amava, em suas horas de folga, pegar uma enxada e revirar os canteiros. Era um terreno longo de mais de 30 metros. Bem ao fundo, havia  um galinheiro.
Era muito especial  colher  os ovos e ver as galinhas  voando de poleiro em poleiro, cacarejando  alvoroçadas. Amava a cena! Era tudo muito de repente; com minha entrada, o caos se instalava. 
Assim é na vida da gente; o inesperado nos tira de nosso eixo. Esta é, talvez, uma lembrança  marcante de minha primeira infância. 


Não tinha muitos amigos, mais imaginários que reais, e meus irmãos eram bem mais  velhos. Me encantava criar histórias encantadas com minhas bonecas e meus diversos bichinhos de estimação. Tive um porquinho da índia, que amava vestir, e  arrastar  em minhas aventuras pelo pátio e vizinhança. Anos mais tarde, tive uma tartaruga. Minha diversão era fazer a Julieta colocar a cabeça fora do casco. Eu dava soquinhos no casco e chamava: “ Jujú, vem pra fora.”  Hoje penso que há muita gente como a Julieta, que se esconde do mundo, que pode ser  muito inseguro, apavorante.

Meu pai tinha um papagaio, Zacarias, mas com exceção de meu pai, Zacarias
 não deixava ninguém se aproximar. Bicava e xingava com o palavrão preferido de meu pai. “Que merda! “ Manhã cedo gritava: “ Louro  quer café.”
Para desespero de  meu pai, um dia o louro sumiu. Mamãe alegou que esquecera de cortar suas asas e que devia ter alçado voo e se perdido. Papai custou a se consolar. Algum tempo mais tarde comprou outro,  mas não era igual. Nada é. Tudo é substituível, mas não igual.
Ele nunca  soube  a história real. Rebeca, cadelinha pinscher da  mãe, junto com seu filhote Sheik haviam depenado e matado o pobre Zacarías. Mamãe encontrou as penas e seus restos, pelo pátio. Horrorizada nunca falou ao papai, e nos proibiu de contar a verdade,
Mentirinhas. Contamos algumas para evitar desentendimentos, tristezas,  mas a verdade dói  em nós.

Cida Guimarães
26/03/22

 

quarta-feira, 16 de março de 2022

A Persistência da Memória



 O que permanece com a passagem do tempo?   


Ao longo da vida vivemos ciclos distintos, assim como a natureza,  e  gradualmente, vamos mudando, nos tornando outros. Nada fica igual, tudo se transforma, se dilui,  se modifica. 
Olhamos para nós mesmos, e não nos reconhecemos.  Os cenários são distintos, os sentimentos, as percepções, os objetos.  As memórias permanecem, mas alteradas por nossos estados físicos e psíquicos . Algumas são mais  persistentes porque nos remetem a situações marcantes em nossa vida; outras nebulosas.

Este quadro  de Salvador  Dali nos  faz pensar  em como a passagem do tempo dilui quase tudo: emoções, percepção, objetos, sua importância e nossa visão dos acontecimentos. Como é rápida esta passagem!

 Olho para minha vida e vejo várias outras, distintas, em um todo que já não está perfeito, mas alterado pelas lembranças e emoções.  Como um sonho do qual lembramos fragmentos, mas não a história completa.

Com o passar dos anos, acredito,  lembramos mais do passado do que de fatos presentes.  A memória registrou tudo que foi marcante, e nos faz reviver momentos, que tiveram relevância em nossas vidas. Recordamos  alguns fatos que tiveram impacto, e apagamos outros. O tempo e nós somos passageiros, transitórios, mas as marcas, os registros,  a história  permanecem, e persistem em nos lembrar o que foi importante. 

Esta é a  persistência da memória, principalmente, em se tratando de arte,  pois atravessa séculos, transmitindo emoções e sentimentos vividos.
É  história, cultura.

Cida Guimarães
16/02/2022

SONHO





                     



Sonhei com um mundo utópico. Sem pandemia, catástrofes, violência,  miséria, preconceitos.

Sonhei sermos todos iguais, em  direitos  e deveres. Zero preconceito de raça, gênero, orientação  sexual, religião, cultura.  Que os políticos serviam ao país, e prestavam contas de seus feitos, e caso não tivessem  contribuído para a melhoria da sociedade, durante sua gestão, por projetos  sociais,  teriam que prestar contas, devolvendo parte de seus ganhos.  Sem verbas de representatividade, e sim bônus sobre  contribuições importantes do parlamentar. Sem imunidades parlamentares. Cometeu crime, é processado e se condenado,  preso, e perde o mandato. Sem reeleições sucessivas. Máximo de duas,  com intervalo de dois anos.

Sonhei que as pessoas  se importavam, realmente, umas com as outras, se  ajudavam e procuravam colocar o interesse da coletividade na frente dos seus. Que os países respeitavam a autonomia de seus  vizinhos, não interferiam e colaboravam para o crescimento mútuo. Mundo sem fronteiras, com aceitação e respeito pelas diferenças. 

Enfim,  sonhei um mundo quase que perfeito e  difícil de se  tornar real, considerando que somos todos seres imperfeitos. Mas todo sonho merece ser idealizado,   gestado, nutrido com carinho até  conseguirmos as condições de ser realizado.

 Há  que plantar as raízes deste sonho, e quem sabe um dia,  em gerações próximas, possa começar  a tornar-se possível e realizável.
Sonhar é  lindo. Tornar o sonho realidade, maravilhoso. Vamos sonhar juntos, e quem sabe, o sonho vire realidade.


Cida Guimarães

2022